sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Direito das Obrigações

1. Introdução. Conceito Básico: Débito e Responsabilidade.

O que significa a palavra obrigação? E juridicamente? A obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter
transitório, cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível. (GONÇALVES, Carlos Roberto) A obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável. (PEREIRA, Caio Mário da Silva) Deste conceito clássico é possível extrair os seguintes elementos da relação obrigacional:
a) o caráter transitório;
b) o vínculo jurídico com exigibilidade patrimonial;
c) a prestação exigível;
d) a relação existente entre pessoas.
O vigente Código Civil, em comparação ao anterior, promoveu importante mudança no ramo obrigacional, ao vê-lo como a parte geral da parte especial (Orlando Gomes). A clássica relação jurídica obrigacional é erigida sob dois pilares: débito (schuld) e responsabilidade (haftung) – obrigação civil ou perfeita (Brinz).

O que é o débito? 

O que é a responsabilidade? É patrimonial (Das Leis das XII Tábuas, de 450 a. C. – tábua terceira – à Lex Poetelia Papiria – 428, a. C.)? 

A responsabilidade patrimonial é ilimitada?

Vejamos o que informa o art. 391 do CC/02:
CC, art. 391: Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor. Necessidade de uma leitura sistemática do art. 391 do CC com os valores constitucionais: Teoria Jurídica do Patrimônio Mínimo (Luis Edson Fachin) e o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo (Ana Paula Barcelos). Alguns exemplos de limites:a) Direito à Moradia (art. 6 da CF/88). Bem de Família (Lei 8.009/90 e arts. 1.711 e ss. do CC/02); b) Impenhorabilidades do CPC (arts. 649 e 650). Interpretação sistemática que se impõe na
esteira no art. 2, parágrafo 2 da LINDB (Barbosa Moreira): LINDB, Art. 2, parágrafo 2: § 2 A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Melhor intelecção do legislador processualista: CPC, art. 591: Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. Se a responsabilidade é patrimonial, cabe prisão civil? A CF/88 veicula duas hipóteses de prisão civil (Art. 5, LXVII): CF, art. 5, LXVII: LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; Todavia, haja vista a adoção da tese da supralegalidade da Convenção de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), não mais é possível a prisão civil de depositário infiel – decisão de 03 de dezembro de 2008 (RE 349703 – Inf. 531/STF). A isto chamam alguns da convencionalização do direito civil. Hoje a questão está pacificada, persistindo apenas a prisão civil do devedor de alimentos. STF, Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. STJ, Súmula 419: Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel. Sabe-se que a regra geral é que débito e responsabilidade caminhem juntos. Mas seria possível se falar em responsabilidade sem débito e débito sem responsabilidade? Sim! O débito sem obrigação: obrigações naturais ou imperfeitas. CC, Art. 564: Não se revogam por ingratidão: I - as doações puramente remuneratórias; II - as oneradas com encargo já cumprido; III - as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; IV - as feitas para determinado casamento. CC, Art. 882:
Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível. Na hora da prova? 1- (TJ/AC/Adaptada). Certo ou errado? É válido e irrecobrável o pagamento espontâneo, feito por maior de idade, para cumprir obrigação de dívidas inexigíveis, como as prescritas ou as de jogo. Responsabilidade sem débito: relações de garantia. Responsabilidade patrimonial seria patrimonialização? O que é responsabilidade executória secundária? CPC, Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:
[…] II - do sócio, nos termos da lei CC, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. CC,  Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro: I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir. CC. Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges. 2. A Novel Leitura do Direito Obrigacional. A Relação Jurídica Obrigacional como um Processo. Hodiernamente não mais deve ser enxergada a relação jurídica obrigacional apenas com base no débito e na responsabilidade (antiga e nominada obrigação simples). Hoje há conceito complexo, funcionalizado (vínculo dinâmico) da obrigação como um processo (Heinrich Siber, Karl Larenz e Clóvis Couto e Silva). A obrigação é o conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor. (COUTO E SILVA, Clóvis) Não há apenas direitos ao credor. O devedor também os tem, como a constituição daquele em mora. Idem sobre os deveres. Visão não mais de uma partida de tênis, mas de um jogo de frescobol. Dessa maneira, há novos elementos integrantes da relação jurídica obrigacional:
a) ordem de cooperação entre as partes;
b) deveres anexos impostos a ambas as partes;
c) cumprimento mais largo (não basta adimplir os deveres obrigacionais do contrato).
Importantes marcos de transição da relação jurídica obrigacional clássica para a atual leitura da obrigação como um processo:
- A liberdade originada na Revolução Francesa e a influência sobre a relação obrigacional. Relações obrigacionais e pacta sunt servanda;
- A intervenção estatal e a sua intensificação (constitucionalização do Direito Civil X publicização do Direito Civil);
- O papel (re)unificador da CF/88: declínio do individualismo: Novos valores para a relação obrigacional.
Evolução de uma relação obrigacional egoística para uma relação pautada em solidariedade social e dignidade humana (relação colaborativa).
A concepção atual de relação jurídica, em virtude da incidência do princípio da boa-fé, é a de uma ordem de cooperação, em que aluem as posições tradicionais do devedor e do credor.
(COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo, São Paulo: José Butschasky, 1976, p.120) Não se quer com isso negar que a relação jurídica obrigacional está destinada à satisfação do interesse do credor, mas enfatizar a necessidade de que este também deve cooperar na consecução deste fim. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.212) partir desta leitura dinâmica e social, a eticidade - através da boa-fé - e a sociabilidade - mediante a função social - ganham importante espaço como balizadores da relação jurídica obrigacional.
Na hora da prova?

2- (Cespe - Juiz Federal Substituto 5ª região/2013/Adaptada) Certo ou errado?
Inspirado na moderna doutrina alemã, o Código Civil de 2002 concebeu o direito das obrigações como um processo, do que é possível concluir que a obrigação é um processo de colaboração contínua e efetiva entre as partes, com vistas à satisfação dos interesses do credor, não prevalecendo mais, portanto, o simples estatuto formal das partes.

2.1 A Eticidade Obrigacional. A Boa-Fé.
A boa-fé objetiva (treu und glauben – lealdade e confiança) como princípio das relações obrigacionais (CC, arts. 113 e 422);
CC, Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
CC, Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
a) base constitucional (arts. 1º, III, 3º, III, e 5º) e previsão do CDC (arts. 4º, III, e 51, IV);
b) disposição de caráter abstrato e função de flexibilizar o sistema (oportunidade de adequar a decisão judicial no caso concreto às novas diretrizes do sistema obrigacional);
A boa-fé objetiva não pode ser aplicada da mesma forma às relações de consumo e às relações mercantis ou societárias, pela simples razão de que os „standards‟ de comportamento são distintos. (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson, “A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil”, In TEPEDINO, Gustavo – coord., Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.40)
c) a tríplice função da boa-fé objetiva (Judith Martins Costa): função interpretativa, função integrativa e função restritiva ou limitadora.
- Função Interpretativa ou de otimização dos contratos (art. 113 do CC).
CJF, Enunc. 27:
En. 27. Art. 422: na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.
- Função Integrativa ou de reequilíbrio dos contratos (art. 422 do CC - deveres de conduta, anexos, instrumentais, laterais, acessórios, de proteção ou de tutela).
Adimplir significará atender a todos os interesses envolvidos na obrigação, abarcando tanto os deveres ligados à prestação propriamente dita, como àqueles relacionados à proteção dos contratantes em todo o desenvolvimento do processo obrigacional.
(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Obrigações, Salvador: JusPodivm, 2013, p.377)
Deveres de conduta são taxativos ou exemplificativos (Carneiro de Frada)? Classificação de Menezes de Cordeiro dos deveres de conduta: a) Deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade. En. 24.: Art. 422.: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação aos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. O descumprimento de tais deveres denomina-se de violação positiva do contrato ou adimplemento fraco, sendo reconhecido pelo STJ na hipótese de não observância do dever de informação: Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa-fé contratual. Deveres anexos ao contrato.
- O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio.
- O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual.
- A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa.
- A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de Recurso Especial, nos casos em que o quantum determinado revela-se irrisório ou exagerado. Recursos não providos. (REsp 595631 / SC. Relatora Ministra Nancy Adrighi. 3 Turma. Julgado em:08.06.2004.) No mesmo sentido: REsp 1276311/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 17.10.2011. O CJF reconhece como um dos deveres anexos o de mitigação por parte do credor - Duty to Migate the Loss ou o dever do credor de mitigar as próprias perdas:
CJF, E. 169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo Idem sobre o nemo potest venire contra factum proprium
CJF, Enunc. 362 A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.
O que são os deveres acessórios da obrigação principal (indenizar a mora)?
- Função Restritiva ou Limitadora (art. 187 do CC): CJF, Enunc. 26:
En. 26 Art. 422.: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.

Na hora da prova?
3- (Cespe – Defensor Público - TO/2013/Adaptada) Certo ou errado?.
O princípio da eticidade, paradigma do atual direito civil constitucional, funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, tendo por base a equidade, boa-fé, justa causa e demais critérios éticos, o que possibilita, por exemplo, a relativização do princípio do pacta sunt servanda, quando o contrato estabelecer vantagens exageradas para um contratante em detrimento do outro. Aplicação: Do pré-contrato ao pós-contrato?
CJF,  En. 25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós -contratual. CJF,  En. 170 – Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.

2.2 A Sociabilidade Obrigacional: A Função Social.
O princípio da função social do contrato tem base constitucional, encontrando fundamento na princípio da solidariedade e na afirmação do valor social da livre iniciativa. O CC apenas consolidou, no ordenamento infraconstitucional, a ideia de que o contrato deve ser funcionalizado, i.e., elaborado e interpretado sempre de forma a não causar influência negativa no meio social, bem como observado por terceiros, dos quais se exige que „respeitem as situações jurídicas anteriormente constituídas.
(COSTA, Pedro Oliveira da, “Apontamentos para uma visão abrangente da função social do contrato”, In TEPEDINO, Gustavo – coord., Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.57)
O tema resta disciplinado no  Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Observa-se que a função social mitiga, mas não extingue, a autonomia da vontade – Enunciado En: 23.: Art. 421.: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia individual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
A relativização do alcance estrito das relações obrigacionais: tutela externa e interna do crédito. O terceiro ofendido e o terceiro ofensor.
O terceiro ofensor ou terceiro cúmplice e o exemplo da prestação se serviços.
CC, Art. 608:
Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.
Outro importante caso do terceiro cúmplice: caso Zeca Pagodinho.
Ainda que a AMBEV não tenha sido signatária do contrato entre Zeca Pagodinho e Schincariol, sua conduta, ao deixar de observar o pacto da exclusividade nele contido, é potencialmente apta a gerar dano indenizável. (TJ/SP. Ac. Unâm. 7 Câmara de Direito Privado. AgInstrum. 346.344.4/8 – São Paulo. Rel. Des. Roberto Mortari. J. 31.2.2004.
O terceiro ofendido e o exemplo do seguro:
Considerando que o segurado não teria recursos para indenizar a vítima pelos danos causados, é possível condenar diretamente a seguradora a pagar à vítima o valor da indenização prevista em caso de sinistro.” (STJ, REsp.97.590/RS, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, RSTJ 99:230)
O que seria a equivalência ou justiça contratual?
CJF, Enunc. 22:
En 22.: Art. 421.: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas
Exemplos no Código Civil de busca da Justiça Contratual:
CC, Art. 317:
Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
CC, Art. 478:
Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Súmulas do STJ que se preocupam com o princípio da justiça contratual:
STJ, Súmula 297:
Súmula 297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. STJ, Súmula 302:
Súmula 302 - É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.
STJ, Súmula 308:
A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
Boa-fé e função social: retratos de um sistema aberto.
3. Obrigação como Direito Pessoal. Como Distingui-la dos Direitos da Personalidade?

4. Obrigação como Relação Jurídica Patrimonial. Como Distingui-la dos Direitos Reais?
O que são relações jurídicas patrimoniais? O Código Civil é monista/unitário ou binário/dualista (Pietro Perlingieri)?