quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Tempos de uma mulher




A história do Ocidente, o que se chama de tradição ocidental, foi extremamente perversa com as mulheres. Essa perversidade obteve suporte moral na narrativa bíblica. O Velho Testamento, quando dá sua versão para os primórdios da humanidade, garante que, criado o homem, foi percebido que não lhe seria bom ficar sozinho. Deu-se-lhe, então, uma ajuda: criou-se o gado. O homem, todavia, considerou que, para si mesmo, não encontrava ajudante adequado. O criador, então, fabricou-lhe a mulher. Detalhes em Gênesis – 2,18. Triste encargo. A mulher nasceu, conforme os costumes gerais acreditados e praticados, carimbada como ajudante do homem. E não está fácil livrar-se de tal sina.
Com o passar do tempo, algumas mulheres foram tomando posição, pensando, falando. O custo era caro. Várias foram lapidadas, mortas a pedradas; outras foram queimadas vivas, em fogueiras vistosas, para dar exemplo; outras tantas ainda morreram pelas mãos dos maridos, que lhes podiam dar fim conforme o próprio arbítrio. Mesmo hoje, inúmeras mulheres vivem submetidas. Não falo de brigas de casal, falo de uma vida inteira de submissão aos interesses dos companheiros. Ainda, os homens têm vontade; as mulheres, em geral, têm destino: seguir o marido.
Posição política ampla de liberdade, no sentido de consciência, atitude e publicidade, somente aconteceu nos anos sessenta. Só na segunda parte do século passado as mulheres tiveram condições de posição e de debate. Foi durante a Segunda Guerra (1939-1945), nos Estados Unidos, que elas foram convocadas a trabalhar. Os homens estavam em combate; era preciso que o parque industrial bélico, as fábricas de armas operassem noite e dia. As muitas mulheres que viraram operárias descobriram o dinheiro, as ruas, as reuniões, a liberdade de ir e vir sem um marido dando palpite.
Bem, muito resumidamente: acabou a Guerra e os homens voltaram para casa. O lugar deles estava ocupado. O Governo iniciou – e o mercado adotou – uma campanha, com ampla publicidade, para convencer o “sexo frágil” a voltar para o lar. As famílias valorizaram as cozinhas, a indústria inventou o eletrodoméstico, as rádios tocaram músicas de exaltação à prenda do lar. Algumas mulheres, porém, não cederam, e deram início às campanhas feministas. Aos poucos a coisa se propagou e os ganhos sociais modificaram as regras jurídicas. O espaço social da mulher passou a existir.
Hoje, no Brasil, as mulheres já superaram a escolaridade dos homens em um ano (9,2 anos, ainda baixa), metade delas trabalha, e controlam a natalidade razoavelmente. Quando há concursos, elas normalmente levam vantagem. Empregos nos quais não eram aceitas, elas competentemente os invadiram. Nos cargos eletivos, as conquistas femininas crescem em participação e em sufrágios obtidos. Mulher importante já foi notícia; mulher importante, agora, é coisa comum, sempre e mais. As mulheres chegaram para ficar.
No Poder Judiciário, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso indicou a primeira mulher, Eliana Calmon Alves, para um tribunal superior, o STJ, em 1999, elas já compunham cerca de 30% da Justiça do Trabalho, 20% da Justiça Comum e 15% da Justiça Federal. Mas bem antes disso, antes de qualquer outra, Thereza Grisólia Tang tornava-se, em 1954, a primeira juíza no Brasil. Ficou sem nenhuma companhia feminina no Judiciário estadual por quase 20 anos. Foi nomeada desembargadora em 1975, pelo governador Konder Reis. Alcançou a Presidência do TJ/SC em 1989. Não foi fácil, é verdade, dar esses passos. Mas foram bem dados.  Belos e marcantes passos da condição de mulher.

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