quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O possível e a política


Se as alternativas políticas que me são postas equivalem-se – se tudo é a mesma coisa –, então tenho as devidas licenças éticas para não fazer nada. Logo, não é que eu fico no conforto pequeno-burguês porque traio o discurso de preocupação com o País. Nada disso. É que eu olho o derredor eleitoral com olhos desdenhosos e, superior a tudo isso, senhor da solução impraticável do mundo, declaro o meu pretexto para a ausência. Tem gente assim. E essa gente se justifica, a si e à sua posição política, com essa elementar proteção do ego.
A psicanálise chamaria isso de mecanismo de defesa. É um amparo improvável de mim mesmo, do meu comportamento, da minha ação ou inação. A pequeno-burguesia enfastiada, que declara lamentar o estado da Nação, arranja um achaque socialmente aceitável, mas falso, e lava as mãos. “Político é tudo ladrão”, “situação e oposição não se diferem nas propostas”, “meus ideais não estão representados nos candidatos que se apresentam” são frases vazias, são ardis morais, são exculpações. Clinicamente, um psicólogo definiria essa atitude como racionalização.
Há outro termo psicanalítico aplicável. Certos neuróticos têm-se em conta por demais elevada, são auto-referentes, idealizam uma imagem de si próprios. Não adulteram virtudes, mas falsificam a concepção que têm sobre suas próprias virtudes. Fabricam um “deveria ser”, um desenho bonito que não lhes representa, mas que seria pintado para atender às exigências do orgulho neurótico, à glorificação de suas qualidades imaginadas. Para essas pessoas, ninguém presta. Aliás, quanto menos elas mesmas prestam, mais declaram a imprestabilidade geral.
Mas o mundo não é um discurso grandiloquente de pureza. E a humanidade, ou uma parte dela, vem tendo um trabalhão danado para melhorar as coisas. Na esfera individual, a primeira marca civilizatória, o abrir mão do ímpeto e da força, o controle do Id, até hoje não é questão resolvida. Não fossem os meios de repressão e as formatações ideológicas, e a barbaridade imperaria. No espaço público, o esforço de institucionalizar as relações de poder, igualmente não se concluiu. Existe pouco de república e muito de personalismo no universo político. No Brasil, há, até, orgulho em declarar “eu não voto em partido, eu voto na pessoa”.
Sempre me podem argumentar que a “nossa política é suja, mesmo”. Claro, não faltarão exemplos a dar razão ao argumento. Exatamente por isso relevar o momento eleitoral é necessário. Para melhorar as condições cívicas da Pátria, há que se ter em conta as condições materiais, as relações históricas que as produziram, ou seja, há que se encarar a política como ela é, sem abstrair os fatos indesejados, ainda que indesejáveis. Então, o gesto concreto. A partir da crua realidade, emprestar alguma contribuição para que ela seja o que se gostaria que fosse. Costuma-se chamar isso de “pôr a mão na massa”. Fora disso, presunção.

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