quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Apesar de animais


Comportamentos de bandos são “organizados” pela liberação de ferormônio, “substância biologicamente muito ativa, secretada especialmente por insetos e mamíferos, com funções de atração sexual, demarcação de trilhas ou comunicação entre indivíduos” (Houaiss). São “substâncias química que, captadas por animais de uma mesma espécie (intraespecífica), permitem o reconhecimento mútuo e sexual dos indivíduos. São capazes de suscitar reações específicas de tipo  fisiológico e/ou comportamental em outros membros que estejam num determinado raio do espaço físico ocupado pelo excretor. Existem vários tipos: sexuais, de agregação, de alarme, entre outros” (Wikipédia).
Discute-se se humanos seriam suscetíveis aos ferormônios. Ainda que não nos reconheçamos como animais, parece que sim. Nossas estruturas cerebrais mais primitivas, chamadas reptilianas ainda vigoram. “Está demonstrado que grande parte do comportamento humano se origina em zonas profundamente soterradas do cérebro. O cérebro guarda todas as estruturas das quais evoluiu. A mais antiga e primitiva delas é chamada de ”Cérebro Reptiliano”, que controla o lado mais animal e instintivo do ser humano” (curaeascensao.com.br). Quando a nossa dimensão réptil se ativa, assume o controle, praticamente desativando as partes evoluídas do cérebro. Os ferormônios atuariam nessa parte ancestral do cérebro, o que quer dizer que ele pode nos provocar os instintos sem que compreendamos e controlemos as “vontades” que nos ocorrem.
Acontece, todavia, que o humano não é, apenas, o cérebro primitivo. O humano tem um cérebro superior que é, concomitantemente, produto da cultura e produtor de cultura. No humano, o instinto já não existe como no réptil. O humano tem instinto desnaturalizado. O instinto, no humano, está temperado por cultura. O humano tem pulsão. Os estudos de Freud sobre o assunto são complexos. Ousando explicar, eu diria que um cérebro primitivo tem licença de fazer o que lhe pede o organismo, já o cérebro humano tem que pôr em ponderação suas vontades orgânicas e seus débitos sociais. A sociedade cobra do animal humano a administração dos instintos.
Cultura também não é algo estacado. Acontecem ou são feitos acontecer os fatos do mundo, que produzem a história. A cultura modifica-se. Defendo que existe evolução cultural, que há culturas mais avançadas que outras. Culturas arcaicas têm explicações mágicas ou religiosas do mundo, consideram que o mundo é. Culturas evoluídas buscam a compreensão dos fenômenos naturais e sociais, sabem que o mundo não é, mas tão-só está. O mundo que está é um mundo que constrói seus valores, elege modos de viver. O que diferencia o humano moderno do arcaico é isso: a intervenção não só na natureza, mas na própria cultura, escolhendo direções históricas. Assim: o primitivo é a natureza; o arcaico é a leitura de aceitação mágica ou religiosa do mundo; o moderno e a compreensão que podemos intervir no mundo, que os fenômenos naturais e sociais podem ser explicados e redirecionados, que a história é uma produção humana.
Eu queria – e penso que boa parte do mundo civilizado queria comigo – festejar a infrutífera tentativa divina de matar Malala Yosafzai. Os arcaicos talebans buscaram executá-la porque ela, em sendo mulher, desejava comer da árvore do conhecimento, desejava estudar. Não pude, infelizmente, regozijar-me. Alguns primitivos indianos, em bando, chocavam a civilização com o brutal estupro e assassinato de Jyoti Singh Pandy. O Paquistão é afundado em arcaísmo. A Índia vive uma convulsão para livrar-se desse estado. Em ambos os países homens em grupo atacam mulheres: agridem-nas, humilham-nas, estupram-nas, matam-nas. A modernidade pede e oferece mais que ferormônio e superstições misóginas. “O grau de civilização de um povo se mede [também] pelo grau de proteção à mulher” (Carlos Ayres Brito). Eu creio em esforços de construção de valores para uma vida civilizada, uma vida humana não como simples espécie animal, mas como cultura elevada.

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